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Ensino de Produção de texto na escola: uma concepção sociodiscursiva


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Registro do Congresso de Gestores realizado em Porto Seguro 2022

Desde que iniciei minha trajetória como professor de produção de texto, percebi o quão importante é refletir sobre o lugar em que nossa filosofia de ensino, ou como a pedagogia destaca, nossa práxis se apoia. No meu caso, por exemplo, tenho como base os estudos de Bronckart (2006), autor da teoria linguística conhecida como interacionismo sociodiscursivo, que apontam como as práticas de linguagem considerando lugar, espaço e meio das interações entre sujeitos no contexto social são ações de linguagem. Ou seja, o foco dessa abordagem teórica é a ação do sujeito na sociedade como uma ação prática, ou seja, ela ocorre na sociedade pela produção do discurso e entre sujeitos no contexto social.

Essa abordagem teórica tem, em sua base, as contribuições teóricas do interacionismo social de Vygotsky, cujas bases da aquisição do conhecimento e do desenvolvimento fundamentam-se na interação para além da relação sujeito-objeto, em especial, ela ocorre na interação entre sujeitos e entre sujeito e meio social. Partindo dessa visão, o interacionismo sociodiscursivo é resultado de um contexto discursivo, no qual se integram o lugar, a situação enunciada, o emissor e o receptor no processo, e esses se dão, pautando-se nesse trinômio social entre emissor e receptor na mediação comunicativa.


Amparando-se nessa visão, a estruturação do texto se organiza em camadas, as quais, para o autor, dividem-se em mecanismos enunciativos e de textualização. Na prática, o ensino de produção de texto precisa levar em consideração não apenas os elementos temáticos sociais, históricos e socialmente localizados no discurso, mas também levar os estudantes a perceber os elementos textuais e enunciativos (coesão e coerência, as cadeias coesivas, a progressividade e a articulação morfossintática) na modelagem do texto.

Refletir sobre isso também demonstra como o ensino de produção de texto deve levar em consideração que, sendo o texto o produto inacabado e construído da relação entre sujeitos e meio, é necessário pensar em um ensino de produção textual que considere as diversas vozes que atravessam o texto dos nossos alunos, tendo em vista a leitura de mundo, os saberes inerentes ao contexto enunciativo e a situação comunicativa exigida. Ou seja, o aluno deve ser orientado a pensar e agir como gestor (parece um termo de coaching, eu sei) do seu texto, gerenciando esses discursos (considerem a noção de discurso de Foucault), ou melhor, as diferentes vozes que atravessam e, sobretudo, a sua própria voz no texto.

Pedagogicamente, mesmo lidando com o efeito retroativo que a cultura dos vestibulares impõe à prática do professor de produção textual, entendo que a pedagogia do exame não pode controlar o meu fazer pedagógico como professor. Sim, ela vai influenciar, ressalto isso porque me preocupo muito com o desempenho dos meus alunos na redação do ENEM e nos vestibulares, mas defendo que os meus alunos (explico sobre isso em sala, sempre que inicio o ano letivo), estão sendo formados como cidadãos críticos, pensantes e autônomos em sua função social. O que isso quer dizer é que meu aluno é levado a refletir sobre todo o processo que constitui o seu texto, desde a cadeia coesiva até o uso de seu conhecimento de mundo, e como ele, enquanto ser pensante, pode construir relações de sentido para a organização e defesa do ponto de vista.

Uma perspectiva presente na análise de Coimbra (2006), ao reforçar a importância do professor leitor para formar alunos leitores, ou seja, não é possível formar cidadãos leitores, críticos de sua realidade, sem levá-los a refletir sobre esse lugar da cultura e de sua história. E, fundamentado nessa linha, ao pensar no meu fazer pedagógico, não só como professor de linguagens e humanas, mas como formador de pessoas, como um educador que forma leitores da realidade social.

Nesse sentido, caminho, como educador, entendendo que o texto é, como bem pontuou Geraldi (1998), um lugar de entrada, um espaço interativo em contínua construção, no qual os alunos são participantes ativos desse processo, seja como emissores, seja como receptores de discursos, com criticidade, fundamentação e consistência argumentativa. Para executar essa ação, é crucial que os meus alunos compreendam que escrever vai além de seguir um modelo preestabelecido de estrutura pronta, isso pode até ser um método, mas que eles percebam que escrever é um ato de linguagem em constante transformação, e não tenho o menor interesse em formar reprodutores de modelos ou de repertórios socioculturais (fenômeno comum em redações do ENEM), mas que sejam capazes de identificar a própria voz no e para o uso no texto, tendo em vista as adequações que o gênero textual exige; afinal, a produção de texto não se resume à redação do ENEM.

Como professor, repito isso em sala de aula, quero que meus alunos tenham notas altas na redação do ENEM, sim, quero que eles estejam entre os melhores, sim; mas desejo, acima dessas conquistas, que os meus alunos se tornem autônomos, protagonistas, saibam escrever qualquer tipo de gênero textual, independentemente da tipologia e, sobretudo, tenham inteligência morfossintática e discursiva, como tanto repito em sala de aula: um aluno que sabe escrever está preparado para qualquer tipo de tema ou gênero textual.


Referências
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano. Organizado por Anna Rachel Machado e Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Campinas: Mercado de Letras, 2006.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. Traduzido por Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. 2. ed. São Paulo: Educ, 2007 [1999].
DE ARAÚJO, Isabela Rosália Lima; VIEIRA, ADRIANA DA SILVA; CAVALCANTE, MARIA AUXILIADORA DA SILVA. Contribuição de Vygotsky e Bakhtin na linguagem: sentidos e significados. [TESTE] Debates em Educação, v. 1, n. 2, 2009.
GERALDI, João Wanderley. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, João Wanderley; CITELLI, Beatriz (org.). Aprender e ensinar com textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1998.
GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar? São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação à produção textual. O ensino da escrita. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
KOCH, Ingedore Villaça. O texto e a construção de sentidos. São Paulo: Contexto, 2003.
 
 
 

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