Diálogos entre leitura, letramento e imaginação na sala de aula: uma experiência de leitura com paradidáticos
- Prof. Zé Nelson

- 2 de jan. de 2024
- 6 min de leitura
Despertando a imaginação e a criatividade dos estudantes por meio da leitura de paradidáticos no ensino fundamental

Fonte: arquivo pessoal
A sala de aula é um ambiente singular, plural e criativo, capaz de unir diferentes vozes e contextos em um objetivo primordial: a promoção da aprendizagem. E, nesse processo, meu caro leitor, a imaginação também é parte integrante desse lugar. Pensar a imaginação na sala de aula traz à memória o escritor italiano Gianni Rodari, referência em literatura infantil, que escreveu a gramática da imaginação, obra referência em práticas de escrita, promoção da leitura e criatividade na escola. Rodari (1982) teoriza que a criatividade e a imaginação, além de possibilitar o saber criativo dos estudantes por meio de atividades com viés artístico, afetivo, moral e cognitivo, permitem uma escola muito mais livre nas experiências de aprendizagem. Ou seja, uma escola que compreende a imaginação como elemento na construção do saber traz à tona a necessidade de acreditar em uma escola que dá voz aos estudantes (o autor faz referência às crianças, ampliei o conceito), uma escola diferente dos modelos, muitas vezes restritivos, puramente conteudistas que têm sido utilizados atualmente.
Coimbra (2006) postula a relevância de ser um "professor leitor" a fim de promover uma cultura de leitores em sala de aula, sendo uma habilidade que não emerge do "mando", ou seja, do fazer os alunos lerem por obrigação apenas, mas que os leve a ler, lendo com eles, fazendo-os refletir sobre essa leitura na e para além da sala de aula. Nesse contexto, a promoção de práticas pedagógicas que promovam a imaginação criativa e a leitura em sala de aula, quando mobilizadas pedagogicamente tendo em vista a realidade dos educandos, contribuem para a promoção do letramento, conforme teorizou Soares (2002), que embora seja uma definição que assumiu diferentes aspectos, na prática, ela designa as práticas sociais em que tanto a leitura quanto a escrita, assumidas pelos sujeitos sociais, podem ser exercidas na sociedade. Ou seja, o letramento (aqui o letramento literário) considera a promoção de práticas sociais de leitura com o intuito de desenvolver ações interventivas, reflexivas e criativas, a partir das experiências de leitura dentro e fora de sala de aula como prática social. Foi amparado nessa visão que tive o prazer de trabalhar com 02 paradidáticos incríveis do 6º ano C do ensino fundamental nas aulas de Língua Portuguesa, sendo eles:
As obras mencionadas são:

Paradidáticos 2023 - "Terra dos Meninos Pelados" - Graciliano Ramos - 6º Ano | 2º Trimestre e "A guerra do Lanche" - Lourenço Cazarré - 6º Ano | 3º Trimestre trabalhados no Colégio Maanaim
Para realizar essa tarefa, os paradidáticos foram organizados em um tripé (leitura, exercício e discussão). Isso porque, toda semana, organizava uma sequência de questões de interpretação (baseada nos capítulos da semana), de modo que eles teriam que ler os capítulos e, à medida que faziam isso, respondiam às questões. Não estou isento da cultura do ponto, e no fundamental não seria diferente. Para garantir que todos fizessem, previamente, expliquei a todos que, para registro da pontuação, deveriam responder às questões para registro na caderneta. Como professor, sonho com uma realidade em que isso não seja uma obrigação, mas, no meu caso, e acredito, no início do trabalho, isso foi necessário.
A escolha dos paradidáticos deve levar em consideração o contexto e o perfil da turma. Para iniciar essa prática social, comecei com a obra de Graciliano Ramos, obra curta, com cerca de 86 páginas. Houve alunos que concluíram antes dos demais, já na primeira semana. E, apesar de terem encerrado, mantiveram o hábito de responder às questões e socializar com os colegas. Algo que me ajudou foi a gestão dos horários das aulas, dividindo-se em 04 aulas semanais de 02h na terça, 01h quarta e 01h na quinta. O horário de quinta ficou definido para corrigir exercícios, para as leituras e as novas questões dos livros. As práticas de leitura não se resumiam a responder questões de interpretação, havia entre elas situações-problema que os levavam a refletir sobre o comportamento dos personagens, sobre o que eles poderiam fazer dada àquela circunstância, com o objetivo de promover a reflexão sobre valores, ética e convívio social, aspectos definidos na BNCC (Brasil, 2018) como necessários para a formação integral do indivíduo. Entre as situações, destaco algumas:
Em "Terra dos Meninos Pelados", Raimundo retorna para casa depois de sua longa viagem, mas não há no livro nada relacionado sobre como foi a chegada dele na escola, o mesmo local onde sofreu bullying dos colegas. Considerando a realidade da história e a sua percepção sobre Raimundo, preencha as lacunas da escola e da vida de Raimundo após a viagem.
A terra para onde Raimundo viajou era completamente diferente. Escolha um capítulo ou trecho que mais chamou a sua atenção pela riqueza de detalhes descritivos.
Considerando os episódios recorrentes de roubo do lanche, qual o sentimento de Cândido em relação a tudo isso? O que ele deveria fazer? "Guerra do Lanche" - Lourenço Cazarré.
"Nas guerras, como na vida, o fundamental é usar o cérebro. A força ajuda, mas não é o mais importante. Mais valem sagacidade, esperteza, argúcia e matreirice." Explique qual o sentido dessa frase e por que ela tem aplicação na nossa realidade? - "Guerra do Lanche" - Lourenço Cazarré.
Apesar dos desafios enfrentados por Candido e o EDM - Esquadrão da Defesa da Merenda, eles conseguiram vencer a gangue do lanche. Pensando em toda a trajetória enfrentada, aponte por que é importante combater a cultura do bullying na escola e impedir que isso se torne um problema como foi na vida de Candido e seus amigos. "Guerra do Lanche" - Lourenço Cazarré.
Essas foram algumas das questões trabalhadas em sala de aula. Observe algumas das práticas realizadas pelos alunos. Para ler o mundo, dessa forma, deve-se considerar que a leitura é, conforme definiu Solé (1998), um ato de constante interação entre leitores e textos, uma relação que se constitui de um objetivo e que, constantemente, ressignifica-se na medida em que esse diálogo se aprofunda, ou melhor, se desenvolve a partir de uma prática social. Separei alguns registros produzidos pelos alunos, que guardei na galeria, e que eternizam essa prática de leitura. Houve desafios para fazer todos acompanharem, sim. Isso porque não era um hábito para os alunos, sem falar que a maioria, oriunda dos anos iniciais, agora com vários professores, habituando-se a uma nova realidade.
Além disso, precisei lidar com o desafio da disciplina de acompanhamento. Criar questões não é fácil, rs. Retomo o que pontuou Coimbra (2006): formar alunos leitores e preciso ser professor leitor. E, para fazer isso, criei o hábito de ler os capítulos antes, construir as perguntas de interpretação para trabalhar em sala de aula e, desse modo, seria possível não só acompanhar com eles, como também explorar as possíveis leituras sociais que propus a partir das obras.
O resultado foram as releituras da obra de Graciliano, os pedidos para fazer mais questões. Lembro que tive alunos que rivalizavam sobre quem acertava mais as perguntas e, acreditem, eles acompanhavam a leitura. Em uma das aulas, eu questionei o fim do capítulo e 03 alunos: Claudinho, André e Adriano (nomes fictícios) me questionaram:
"Professor, isso não está na história.", "Não é assim que acontece, foi dessa forma...", "Professor, professor, tem certeza que é a mesma história do livro? No que eu li, o final do capítulo era..."
Pense na minha alegria como professor... Para endossar isso, sempre frisei que estava de olho em tudo e que essas perguntas eram feitas (fiz isso outras vezes) para verificar quem realmente estava acompanhando a leitura da obra e a resolução das questões. Inclusive, foi assim que descobri sobre LuzIA (inteligência artificial do ChatGPT no ZAP), pois, ao analisar as questões de 02 alunas (Vanessa e Adriana), notei as respostas genéricas e destoantes da realidade, e, perguntando aqui e ali, acabaram confessando o uso do recurso para fazer a atividade. Rimos disso na sala várias vezes: "Pessoal, a LuzIA não vai aprender e responder por vocês, e estou vendo tudo... Vi alguém que parece ter usado o LuzIA". Como professor, entendo que não dá para pensar em ensino e leitura sem as novas tecnologias e, embora tenha sido usada por alguns alunos, creio que, nessa realidade, precisamos levar os nossos alunos a refletir sobre esses recursos, compreendendo que eles são ferramentas, mas o saber crítico, a autonomia (a interpretação) e o olhar social devem ser feitos pelo estudante.

Registro do final alternativo da obra de Graciliano Ramos e desenho da Terra dos Meninos Pelados
Por fim, que não é um final, entendo que a leitura e a imaginação devem trilhar juntas essa jornada no desenvolvimento não só da capacidade reflexiva dos alunos, mas também da escrita. Perceber também que situações de aprendizagem que sejam capazes de contextualizar com a realidade dos educandos fazem diferença e, portanto, precisam ser levadas em consideração na escolha, no planejamento e no acompanhamento das atividades. Por isso, vivo, atuo e reflito como docente, entendendo o meu papel como agente de letramento (Kleiman, 2014), como um educador que entende a importância da leitura, da imaginação e da escrita como meio para construir uma sociedade melhor, uma sala de aula mais humanizada, uma aprendizagem mais reflexiva e, como disse, contextualizada com os alunos: os cidadãos do futuro.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
CAZARRÉ, Lourenço. A guerra do lanche. São Paulo: Ática, 1999.
GUEDES, Paulo Coimbra. A formação do professor de português: que língua vamos ensinar? São Paulo: Parábola, 2006.
KLEIMAN, A. B. “Letramento na contemporaneidade”. Bakhtiniana, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 72-91, ago./dez. 2014. Disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/bakhtiniana/article/view/19986/15597
OLHAR DIGITAL. LuzIA: o que é e como usar inteligência artificial no WhatsApp. Disponível em: https://olhardigital.com.br/2023/08/01/dicas-e-tutoriais/luzia-o-que-e-e-como-usar-inteligencia-artificial-no-whatsapp/. Acesso em 29 de dezembro 2024.
RAMOS, Graciliano. A terra dos meninos pelados. Editora Record, 2013.
RODARI, Gianni. Gramática da fantasia. São Paulo: Summus, 1982.
SOARES, Magda. “Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura”. Educação & Sociedade: Revista de Ciências da Educação, Campinas, v. 23, n. 81. CEDES, 2002.
SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.




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