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A Taxonomia de Bloom na avaliação e na prática pedagógica: uma reflexão crítica

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A Taxonomia de Bloom, especialmente no contexto educacional, tem uma importante contribuição na reflexão sobre o processo avaliativo nas escolas. Criada por Benjamin Bloom e revisada ao longo dos anos, ela oferece uma estrutura que auxilia educadores a planejar e implementar estratégias pedagógicas, isto é, ferramentas de análise de desenvolvimento cognitivo, os quais proporcionarão uma evolução do desenvolvimento das aprendizagens.


Pensar sobre a taxonomia de Bloom remonta também a um outro processo fundamental no processo avaliativo: repensar o que é avaliação. Para isso, vou considerar a concepção de avaliação mediadora, cujo foco está em utilizar as respostas dos alunos como ponto de partida para novos desafios e oportunidades de aprendizagem, isto é, uma avaliação que tem como parâmetro mediar e perceber como o aluno constrói o conhecimento e desenvolve a aprendizagem. Nesse contexto, tal abordagem se alinha bem com os princípios da taxonomia, que enfatiza a progressão dos alunos através de níveis cognitivos, desde a lembrança até a criação. E, sejamos sinceros?! como professor estou cansado de dar aulas e no ano seguinte, ao ensinar um conteúdo com pré-requisito, percebo que o aluno não lembra, esqueceu, ou seja, não aprendeu, apenas gravou o que estava sendo dito. Nisso, como educador, percebo como a Taxonomia de Bloom, enquanto referência de níveis de aprendizagem está, na verdade, incorporando uma visão crítica e reflexiva sobre o processo avaliativo. E, sendo sincero, essencial para uma educação que busca formar pensadores críticos, algo que não tem sido refletido nos últimos resultados no PISA.

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A tabela acima é a comparação da Taxonomia de Bloom, revisada em 2002 e novamente em 2008 por Andrew Church, que inclui níveis cognitivos que variam do mais básico ao mais complexo: lembrar, compreender, aplicar, analisar, avaliar e criar. O que se percebe é que cada nível é associado a verbos específicos que podem orientar a formulação de objetivos educacionais e a elaboração de atividades que visam desenvolver tais habilidades nos alunos. Há uma máxima - muito antiga - que uso em sala com os alunos que é um paralelo dessa relação:

Deus mora nos detalhes e o diabo nas entrelinhas

Não é meu intuito ser religioso aqui, contudo precisamos refletir, como educadores, que tipo de processo de leitura e interpretação estamos direcionando os nossos alunos. Eles são capazes de reconhecer as informações explicitas? as implícitas? percebem o valor semântico dos termos, de preferência os verbos? Temo, costumo dizer, que depois do TIK TOK, nossos alunos mal conseguem ler 15s a 1 min um texto, quiçá elaborar uma reflexão crítica. Esse fenômeno é refletido na escrita, pois tenho alunos que reclamam que 15 linhas é uma tortura, ou seja, uma geração cada vez menos interessada, mais acelerada, menos reflexiva, e, lamentavelmente, mais suscetível a manipulação. E, voltando a máxima, Assim como a precisão é crucial na interpretação de um texto, o detalhe é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, conforme sugerido pela Taxonomia de Bloom.


Para compreender como a Taxonomia de Bloom pode ser aplicada no ensino, ou melhor, como ela aparece nas questões de prova, observe o exemplo a seguir, a a partir de itens de Filosofia, retiradas de edições anteriores do ENEM.


  • Questão 1: Platão e a Doutrina das Ideias

"Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente."

Questão: De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação?

a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas.

b) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles.

c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis.

d) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não.

e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão.

A questão acima ajuda a desenvolver habilidades de compreensão e análise. Para isso, os estudantes precisam lembrar-se dos conceitos básicos da filosofia de Platão, a fim de estabelecer associação de saberes, compreender a distinção entre razão e sensação, e analisar como Platão privilegia a razão como fonte de conhecimento verdadeiro. Note também como o valor semântico dos termos "razão" e "sensação" é crucial e se apresenta no texto de comando e nas assertivas. Isso porque o objetivo é orientar o estudante a discernir entre diferentes fontes de conhecimento, verificando as relações de sentido entre o texto, as alternativas e consonância entre as ideias apresentadas. A coerência pedagógica do comando está em incentivar a reflexão crítica sobre a hierarquia entre razão e sensação.

  • Questão 2: Maquiavel e a Ética Política

"Para Maquiavel, quando um homem decide dizer a verdade pondo em risco a própria integridade física, tal resolução diz respeito apenas a sua pessoa. Mas se esse mesmo homem é um chefe de Estado, os critérios pessoais não são mais adequados para decidir sobre ações cujas consequências se tornam tão amplas, já que o prejuízo não será apenas individual, mas coletivo."

Questão: O texto aponta uma inovação na teoria política na época moderna expressa na distinção entre

a) idealidade e efetividade da moral.

b) nulidade e preservabilidade da liberdade.

c) ilegalidade e legitimidade do governante.

d) verificabilidade e possibilidade da verdade.

e) objetividade e subjetividade do conhecimento.


A questão acima desafia os alunos a analisar e avaliar a distinção maquiavélica entre moralidade pessoal e política de Estado, desenvolvendo habilidades de análise e avaliação, o qual se fundamenta na expressão " na distinção entre", ou seja, o estudante precisa perceber que distinção é essa, ao associar o texto de comando e as assertivas. Para isso, ele deve perceber o valor semântico de "idealidade" e "efetividade" O qual destaca a tensão entre moralidade teórica e prática. Nesse prisma, percebe-se que a coerência pedagógica do comando está em levar o educando a refletir sobre dilemas éticos complexos, no contexto político, e de forma resumida, entre o que é prático (e acontece) e o que é ideal (na teoria) à luz de Maquiavel.


Os exemplos acima, caro educador, evidenciam o porquê, ao elaborar avaliações, os professores devem refletir sobre como cada item não apenas mede a aprendizagem, mas também promove o desenvolvimento integral dos alunos, conforme preconizado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC enfatiza a importância de uma educação integral, o qual desenvolve competências cognitivas, socioemocionais e éticas, ou seja, não basta apenas lembrar dos conceitos, fórmulas ou sistemas, mas saber aplicá-los em outros contextos sociais, de modo que tal saber tenha propósito, ou ou como diria "Ausubel" seja significativo e prático para o estudante.Desse modo, ao planejar avaliações, é crucial considerar como as questões podem engajar os alunos em um aprendizado significativo, que ultrapasse a pedagogia da memorização - nossos alunos não estudam, gravam para fazer a prova -, preparando-os para enfrentar os desafios do mundo real, ou seja, colocando tais saberes na prática cotidiana.


Nisso, penso que a integração da avaliação mediadora de Jussara Hoffmann com a Taxonomia de Bloom permite que os professores considerem não apenas o que os alunos sabem, mas como eles pensam e aplicam esse conhecimento. Costumo, a título de exemplo, avaliar como os meus alunos exemplificam algo na oralidade e na escrita e percebo que o "jeito" oral de falar se reproduz na escrita, o que na prática prejudica a formulação escrita, uma vez que a escrita em si não acompanha a velocidade do pensamento. Desse modo, ao criar avaliações que estimulam a reflexão crítica e a resolução de problemas, os educadores podem promover um aprendizado mais significativo, mais crítico sobre a própria aprendizagem. Reafirmo isso, pois ninguém aprende da mesma forma, repito isso em sala sempre, e ao tentar uniformizar ou se espelhar no aluno de sucesso da turma, temos, na prática, uma geração de estudantes frustrados e com aversão ao conhecimento, ou melhor, a tudo que lhe leve ao limite do que acredita ser a sua própria capacidade de produzir.


Esse cenário é perceptível nos resultados do PISA 2022, que destacam a necessidade urgente de reformular o processo avaliativo nas escolas brasileiras, especialmente considerando que a média de pontos do Brasil foi de 379 em Matemática e 410 em leitura, ambos significativamente abaixo da média da OCDE. Mesmo os estudantes brasileiros mais ricos tiveram desempenhos inferiores à média internacional, o que ressalta que o problema não se limita à educação pública - como costumam responsabilizar, mas também afeta grande parte das escolas privadas, ou seja, a nossa geração de estudante precisa, primordialmente, aprender a estudar e saber como aprende. Como referência, a Taxonomia de Bloom apresenta-se como um recurso valioso nesse contexto, pois sua estrutura permite que instituições de ensino e educadores desenvolvam avaliações que promovam não apenas a pedagogia da memorização, mas também a compreensão, aplicação, análise, avaliação e criação do saber desenvolvido, independente do componente curricular, e ao adotar essa abordagem, os professores podem elaborar, contextualizar questões que incentivem os alunos a aplicar e mobilizar os conhecimentos em contextos reais, combatendo, na prática, os números no PISA, os quais refletem a realidade dos níveis de aprendizagem dos estudantes brasileiros.

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Os dados do PISA revelam que os alunos brasileiros enfrentam dificuldades significativas em leitura e interpretação, habilidades fundamentais para o sucesso acadêmico e para a vida adulta.

Por fim, esses resultados evidenciam a importância de ser refletir criticamente sobre o fazer pedagógico e os métodos de avaliação utilizados nas escolas, seja ela pública, seja privada. Dessa forma, é imperativo que professores, educadores, diretores e gestores escolares, repensem suas práticas, de maneira articulada, refletindo sobre o tipo de aluno que estamos formando, a fim de garantir que seja possível formar uma geração crítica e reflexiva no nível de outros países. Isso inclui, a título de sugestão, a implementação de estratégias pedagógicas que promovam a análise crítica, seja com atividades de associação de contexto (conceito e sociedade), a resolução de problemas complexos (utilização de estudos de casos, metodologias ativas) os quais explorem a criatividade, preparando os educandos para um futuro no qual essas habilidades serão cada vez mais valorizadas, tornando-os aptos para essa nova realidade contemporânea.


BBC NEWS BRASIL. Brasil tem desempenho estável em ranking internacional de educação. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cv2zx819rg4o. Acesso em: 21 ago. 2024.

EDUCADOR BRASIL. Conheça a Taxonomia de Bloom. Disponível em: https://educador.com.br/conheca-a-taxonomia-de-bloom/. Acesso em: 21 ago. 2024.

TROCANDO IDEIAS. Avaliação mediadora e formativa. Disponível em: https://trocando-ideias.lmsestudio.com/blog/educacao/avaliacao-mediadora-e-formativa. Acesso em: 21 ago. 2024.

 
 
 

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